30.12.04
A Regeneração que Tarda
Para uma vida política decente, seria absolutamente necessário arredar da ribalta uma família de gente medíocre, tecnicamente incompetente, moralmente frouxa e com falta de sentido patriótico que, presentemente, ocupa o poder nos dois maiores partidos portugueses. Gente que vive essencialmente da e para a imagem que deles faz a Comunicação Social, numa obsessão, que condiciona e atrofia toda a sua subsequente actuação.
No arranjo partidário, seria muito conveniente desencadear uma movimentação que engendrasse uma recomposição das forças políticas existentes, em especial, no importante sector de primitiva orientação social-democrática ou socialista moderada, cuja doutrina haveria que recuperar e reenquadrar nas actuais circunstâncias, para lograr um renascimento do depauperado ideário político-social do povo português, capaz de fazer sair o país da crise, primeiro que tudo, espiritual, em que tem vivido, sobretudo, nos últimos dez anos.
Torna-se penoso assistir a tanta vacuidade ideológica, intelectual e cultural, de que continuamente dão provas as actuais elites e, naturalmente, sem revelarem possuir um sentido de rumo para o País, que estruturalmente se debilita, iludido nos templos de consumo, carregados de artigos importados, que não encontram equilíbrio possível, nas exportações que a nossa economia anémica, sem pólos industriais fortes, não consegue assegurar.
Alguns, infelizmente poucos, Economistas e Industriais, sérios e competentes, têm-nos avisado, com palavras duras e com números expressivos, para a realidade trágica que vamos construindo; sem aparente êxito, porque a alienação consumista é muito funda e poderosa, agravando tudo, pela sua auto-propulsão, que leva a consumir cada vez mais, para contrariar o sentimento de crise, numa espécie de círculo vicioso, auto-alimentado, enquanto houver quem financie o distorcido circuito económico.
Dentro de alguns anos, se nada alterar a presente trajectória, o desastre será ineludível, tal como aconteceu com o fracasso do sistema educativo do país.
Lembremo-nos de que ainda há poucos anos, pessoas comprovadamente inteligentes e conhecedoras dos problemas educativos nos garantiam a bondade das reformas que anunciavam com grande afã mediático. Onde páram elas hoje ? Talvez, lá nas douradas Administrações onde subiram, sintam algum remorso na consciência, mas, na verdade, não as vemos sequer expressar o seu mea culpa e o mal continua sem remédio.
Portugal, que no final do século xix foi açoitado por uma onda de criticismo, encabeçada pela intelectualmente brilhante geração de 70, de Antero, Eça e Oliveira Martins, volta hoje, em conjuntura muito diversa, a debater-se com problemas semelhantes, entre os quais o da sua própria sobrevivência, como entidade autónoma e soberana, no concerto das nações europeias em que nos achamos.
Começa a ser difícil imaginar a nossa situação dentro dos próximos 50 anos, pelas fragilidades criadas, nos planos económico, industrial, educativo e cultural. Tanto mais que não se sente, nas nossas ditas elites, verdadeira preocupação pela situação atingida, nem o sentido ético e patriótico, necessário para empreender uma convincente regeneração e, sem esta, o desastre acabará por ocorrer.
Dir-se-á que já os da geração de 70 previram a extinção do país e, mais de cem anos depois, ele ainda cá está a desmentir o seu imoderado pessimismo. Assim é, de facto, mas os males acumulam-se perigosamente e a conjuntura alterou-se profundamente, criando, nalguns aspectos, dificuldades novas e maiores, restringindo a nossa capacidade de manobra.
A inclusão do país numa estrutura político-administrativa, como a da União Europeia, veio mudar tudo, requerendo ainda maior perícia, astúcia e consciência de objectivos da nossa parte e não, como temos visto, uma visão edulcorada dessa integração num espaço económico-social avançado, ela própria geradora de progresso, como se por mero efeito indutivo.
Em certos aspectos, os instrumentos de actuação são hoje menores e, com falsas elites, desprovidas de sentido patriótico, na sua forma de actuar, nos sectores-chave em que pontificam, a tarefa de Portugal para sobreviver, como país soberano, digno e progressivo, respeitado pelos seus parceiros, torna-se absolutamente homérica.
Estaremos nós outros, portugueses, à altura dela, com as actuais elites que nos regem ?
Gutta cavat lapidem.
AV_Lisboa_29-12-2004
No arranjo partidário, seria muito conveniente desencadear uma movimentação que engendrasse uma recomposição das forças políticas existentes, em especial, no importante sector de primitiva orientação social-democrática ou socialista moderada, cuja doutrina haveria que recuperar e reenquadrar nas actuais circunstâncias, para lograr um renascimento do depauperado ideário político-social do povo português, capaz de fazer sair o país da crise, primeiro que tudo, espiritual, em que tem vivido, sobretudo, nos últimos dez anos.
Torna-se penoso assistir a tanta vacuidade ideológica, intelectual e cultural, de que continuamente dão provas as actuais elites e, naturalmente, sem revelarem possuir um sentido de rumo para o País, que estruturalmente se debilita, iludido nos templos de consumo, carregados de artigos importados, que não encontram equilíbrio possível, nas exportações que a nossa economia anémica, sem pólos industriais fortes, não consegue assegurar.
Alguns, infelizmente poucos, Economistas e Industriais, sérios e competentes, têm-nos avisado, com palavras duras e com números expressivos, para a realidade trágica que vamos construindo; sem aparente êxito, porque a alienação consumista é muito funda e poderosa, agravando tudo, pela sua auto-propulsão, que leva a consumir cada vez mais, para contrariar o sentimento de crise, numa espécie de círculo vicioso, auto-alimentado, enquanto houver quem financie o distorcido circuito económico.
Dentro de alguns anos, se nada alterar a presente trajectória, o desastre será ineludível, tal como aconteceu com o fracasso do sistema educativo do país.
Lembremo-nos de que ainda há poucos anos, pessoas comprovadamente inteligentes e conhecedoras dos problemas educativos nos garantiam a bondade das reformas que anunciavam com grande afã mediático. Onde páram elas hoje ? Talvez, lá nas douradas Administrações onde subiram, sintam algum remorso na consciência, mas, na verdade, não as vemos sequer expressar o seu mea culpa e o mal continua sem remédio.
Portugal, que no final do século xix foi açoitado por uma onda de criticismo, encabeçada pela intelectualmente brilhante geração de 70, de Antero, Eça e Oliveira Martins, volta hoje, em conjuntura muito diversa, a debater-se com problemas semelhantes, entre os quais o da sua própria sobrevivência, como entidade autónoma e soberana, no concerto das nações europeias em que nos achamos.
Começa a ser difícil imaginar a nossa situação dentro dos próximos 50 anos, pelas fragilidades criadas, nos planos económico, industrial, educativo e cultural. Tanto mais que não se sente, nas nossas ditas elites, verdadeira preocupação pela situação atingida, nem o sentido ético e patriótico, necessário para empreender uma convincente regeneração e, sem esta, o desastre acabará por ocorrer.
Dir-se-á que já os da geração de 70 previram a extinção do país e, mais de cem anos depois, ele ainda cá está a desmentir o seu imoderado pessimismo. Assim é, de facto, mas os males acumulam-se perigosamente e a conjuntura alterou-se profundamente, criando, nalguns aspectos, dificuldades novas e maiores, restringindo a nossa capacidade de manobra.
A inclusão do país numa estrutura político-administrativa, como a da União Europeia, veio mudar tudo, requerendo ainda maior perícia, astúcia e consciência de objectivos da nossa parte e não, como temos visto, uma visão edulcorada dessa integração num espaço económico-social avançado, ela própria geradora de progresso, como se por mero efeito indutivo.
Em certos aspectos, os instrumentos de actuação são hoje menores e, com falsas elites, desprovidas de sentido patriótico, na sua forma de actuar, nos sectores-chave em que pontificam, a tarefa de Portugal para sobreviver, como país soberano, digno e progressivo, respeitado pelos seus parceiros, torna-se absolutamente homérica.
Estaremos nós outros, portugueses, à altura dela, com as actuais elites que nos regem ?
Gutta cavat lapidem.
AV_Lisboa_29-12-2004
28.12.04
Crónica Amarga de Fim de Ano
Após curtas férias, regresso ao meu ofício de escriba, para relatar dois ou três factos que me tocaram ultimamente.
Primeiro, a tragédia no Sudeste asiático, com o seu cortejo de desgraça e desolação, a que as TV, em Portugal e, provavelmente no mundo, não dão descanso. Tanta parasitagem oportunista da desgraça alheia causa-nos náuseas. Já basta a tragédia em si, para nos atormentar a consciência, não precisamos de doses pantagruélicas de reportagens, cheias de imagens repetidas vezes sem conta, até nos dessensibilizarem, até que criemos imunidade ao sentimento que deveriam inspirar. Eis o efeito de excesso de informação.
Segundo, as declarações políticas contraditórias do Governo demissionário, e a obsessão de PSL pelo papel de vítima da difusa conspiração contra si erguida. Talvez que o horóscopo da vidente Maya que o seu mui dilecto apoiante, Luís Delgado, citou, no seu habitual panegírico, lhe transmita algum alento para as vagas alterosas da Demagogia que se avizinham. Nisso, o seu directo concorrente socialista, Sócrates, não lhe fica atrás, para mal de nós todos, que, fatalmente, seremos também atingidos pela grossa artilharia de dislates e de mútuas recriminações que hão-de abundantemente produzir, na proporção directa da sua falta de razão motivadora do eleitorado.
Terceiro, ainda ontem, nas Caldas da Rainha, ao ser atendido numa loja, por uma jovem brasileira e perante a minha quase desnecessária pergunta sobre a sua terra de origem, logo ela me respondeu que era brasileira de Goiás, graças a Deus. Este pronto amor declarado à sua Pátria, apesar de esta lhe ter sido ingrata, obrigando-a a procurar sustento mais digno noutras paragens, impressionou-me, porque contrasta com a nossa quase indiferença, quando não hostilidade, à nossa madre terra.
Já no Euro 2004, foi preciso um brasileiro, Filipe Scolari, incitar os portugueses a exaltarem os símbolos nacionais, como o Hino e a Bandeira, que nós quase só a medo ou pedindo desculpa, éramos capazes de levantar, para que o gesto se espalhasse e ganhasse aceitação generalizada.
Foi a primeira vez, em muitos anos, que se viram tantas bandeiras nacionais desfraldadas ao vento, nas casas, sobretudo nas modestas, de tantos portugueses, por esse país fora. Poderão dizer-me que foi exibição de um patriotismo barato, mas, ainda assim, o reputo de importante, porque quebrou um complexo longamente consentido, dolorosamente suportado, por todos os que lhe sofriam a sua sem-razão.
Sempre que vejo estes novos imigrantes, brasileiros, africanos, ucranianos, russos e demais povos do leste da Europa, a buscar sustento entre nós, país de emigrantes durante tantos anos, não deixo de sentir alguma perplexidade. Afinal, alguns destes imigrantes vêm de países bem maiores e mais ricos que Portugal, mas que a desorganização social, a insensatez política e a ganância de uns tantos transformaram em terras de desesperança, ao ponto de os seus concidadãos as abandonarem, por outras aparentemente menos providas de recursos.
Que grande contraste e que grande lição podemos tirar destes exemplos. Basta que atentemos nos casos de êxito económico e social de países pequenos e de parcas riquezas materiais, no solo e no sub-solo, sem fontes sequer de energia, como o carvão, o petróleo, o gás natural, sem minérios, como a Dinamarca, a Holanda, a Finlândia, a Suécia, a Noruega, esta última com petróleo e gás natural, na sua plataforma marítima, mas alguns até sem mar, como a Áustria e a Suíça, e, no entanto, todos eles oásis de vida, portos de abrigo de tanta humanidade, que, em desespero, os demanda, virando costas às suas pátrias, por vezes bem mais dotadas desses mesmos recursos.
Com o Brasil, dá-se o caso de este ter sido durante décadas a fio, desde o último quartel do século xix, até aos anos 50 do século xx, uma espécie de terra da promissão, para centenas de milhares de portugueses fugidos da miséria, do frio, climatérico e até sexual, autêntico el dorado das pobres gentes lusas, para agora a situação se inverter, ainda que sem a equivalente grandeza de sonho que acompanhava os nossos compatriotas a terras de Vera Cruz.
Que funesta desorganização social deve grassar hoje por lá, para que tanto seu nacional aqui procure a sua sorte, na nossa, outra vez, pequena casa lusitana.
É esta a sorte dos povos, quando à sua frente se acham pessoas moralmente incapazes ou mesmo activamente corruptas, ávidas de riqueza e de ostentação, sem consideração pela sorte dos seus concidadãos. No fundo, por muito que analisemos a situação, por mais que convoquemos teorias económicas, pretensamente científicas, na base de tudo encontraremos a falta de um sentido comunitário, gregário, assente em princípios morais, antigos e simples, mas que estão na base de todo o progresso duradouro e são.
Sem solidariedade, sem coesão social, sem patriotismo, não há Nação que vingue, mas apenas massas desirmanadas, em busca de um sôfrego fim consumista, que rapidamente as desconsola e as deixa frustradas.
Ficou algo lúgubre esta crónica de fim de ano e, quase diria, de fim de civilização.
Apetece dizer, como Molière citou, em «O Burguês Gentil-Homem» : « Sine doctrina vita est quasi mortis imago/A vida sem instrução/sabedoria é como a imagem da morte», acrescentando : e sem um mínimo de conforto material, também.
AV_Lisboa, 28 de Dezembro de 2004
Primeiro, a tragédia no Sudeste asiático, com o seu cortejo de desgraça e desolação, a que as TV, em Portugal e, provavelmente no mundo, não dão descanso. Tanta parasitagem oportunista da desgraça alheia causa-nos náuseas. Já basta a tragédia em si, para nos atormentar a consciência, não precisamos de doses pantagruélicas de reportagens, cheias de imagens repetidas vezes sem conta, até nos dessensibilizarem, até que criemos imunidade ao sentimento que deveriam inspirar. Eis o efeito de excesso de informação.
Segundo, as declarações políticas contraditórias do Governo demissionário, e a obsessão de PSL pelo papel de vítima da difusa conspiração contra si erguida. Talvez que o horóscopo da vidente Maya que o seu mui dilecto apoiante, Luís Delgado, citou, no seu habitual panegírico, lhe transmita algum alento para as vagas alterosas da Demagogia que se avizinham. Nisso, o seu directo concorrente socialista, Sócrates, não lhe fica atrás, para mal de nós todos, que, fatalmente, seremos também atingidos pela grossa artilharia de dislates e de mútuas recriminações que hão-de abundantemente produzir, na proporção directa da sua falta de razão motivadora do eleitorado.
Terceiro, ainda ontem, nas Caldas da Rainha, ao ser atendido numa loja, por uma jovem brasileira e perante a minha quase desnecessária pergunta sobre a sua terra de origem, logo ela me respondeu que era brasileira de Goiás, graças a Deus. Este pronto amor declarado à sua Pátria, apesar de esta lhe ter sido ingrata, obrigando-a a procurar sustento mais digno noutras paragens, impressionou-me, porque contrasta com a nossa quase indiferença, quando não hostilidade, à nossa madre terra.
Já no Euro 2004, foi preciso um brasileiro, Filipe Scolari, incitar os portugueses a exaltarem os símbolos nacionais, como o Hino e a Bandeira, que nós quase só a medo ou pedindo desculpa, éramos capazes de levantar, para que o gesto se espalhasse e ganhasse aceitação generalizada.
Foi a primeira vez, em muitos anos, que se viram tantas bandeiras nacionais desfraldadas ao vento, nas casas, sobretudo nas modestas, de tantos portugueses, por esse país fora. Poderão dizer-me que foi exibição de um patriotismo barato, mas, ainda assim, o reputo de importante, porque quebrou um complexo longamente consentido, dolorosamente suportado, por todos os que lhe sofriam a sua sem-razão.
Sempre que vejo estes novos imigrantes, brasileiros, africanos, ucranianos, russos e demais povos do leste da Europa, a buscar sustento entre nós, país de emigrantes durante tantos anos, não deixo de sentir alguma perplexidade. Afinal, alguns destes imigrantes vêm de países bem maiores e mais ricos que Portugal, mas que a desorganização social, a insensatez política e a ganância de uns tantos transformaram em terras de desesperança, ao ponto de os seus concidadãos as abandonarem, por outras aparentemente menos providas de recursos.
Que grande contraste e que grande lição podemos tirar destes exemplos. Basta que atentemos nos casos de êxito económico e social de países pequenos e de parcas riquezas materiais, no solo e no sub-solo, sem fontes sequer de energia, como o carvão, o petróleo, o gás natural, sem minérios, como a Dinamarca, a Holanda, a Finlândia, a Suécia, a Noruega, esta última com petróleo e gás natural, na sua plataforma marítima, mas alguns até sem mar, como a Áustria e a Suíça, e, no entanto, todos eles oásis de vida, portos de abrigo de tanta humanidade, que, em desespero, os demanda, virando costas às suas pátrias, por vezes bem mais dotadas desses mesmos recursos.
Com o Brasil, dá-se o caso de este ter sido durante décadas a fio, desde o último quartel do século xix, até aos anos 50 do século xx, uma espécie de terra da promissão, para centenas de milhares de portugueses fugidos da miséria, do frio, climatérico e até sexual, autêntico el dorado das pobres gentes lusas, para agora a situação se inverter, ainda que sem a equivalente grandeza de sonho que acompanhava os nossos compatriotas a terras de Vera Cruz.
Que funesta desorganização social deve grassar hoje por lá, para que tanto seu nacional aqui procure a sua sorte, na nossa, outra vez, pequena casa lusitana.
É esta a sorte dos povos, quando à sua frente se acham pessoas moralmente incapazes ou mesmo activamente corruptas, ávidas de riqueza e de ostentação, sem consideração pela sorte dos seus concidadãos. No fundo, por muito que analisemos a situação, por mais que convoquemos teorias económicas, pretensamente científicas, na base de tudo encontraremos a falta de um sentido comunitário, gregário, assente em princípios morais, antigos e simples, mas que estão na base de todo o progresso duradouro e são.
Sem solidariedade, sem coesão social, sem patriotismo, não há Nação que vingue, mas apenas massas desirmanadas, em busca de um sôfrego fim consumista, que rapidamente as desconsola e as deixa frustradas.
Ficou algo lúgubre esta crónica de fim de ano e, quase diria, de fim de civilização.
Apetece dizer, como Molière citou, em «O Burguês Gentil-Homem» : « Sine doctrina vita est quasi mortis imago/A vida sem instrução/sabedoria é como a imagem da morte», acrescentando : e sem um mínimo de conforto material, também.
AV_Lisboa, 28 de Dezembro de 2004
22.12.04
A Escrita e o Tempo
Hoje, por momentos, voltei a escrever cartas, bilhetes e notas à mão, como nos bons velhos tempos. A sensação foi algo estranha, a caligrafia variava, perdia uniformidade. Até nisto, a modernidade nos alterou, tirando-nos uma das maiores marcas de personalidade, de marcada identidade, que interessou tantos peritos ao longo dos séculos. Holmes, Maigret e Poirot, se vivessem hoje não teriam à sua disposição este fértil campo para engenhosas análises, que, de resto, sempre me intrigou. Já pude comparar assinaturas feitas com intervalos de 50 e 60 anos e chega a ser impressionante a semelhança entre elas, a despeito da alteração das vidas das pessoas que as produziram. Parece que tal fenómeno nos quer avisar de que nós continuamos mais ou menos os mesmos, depois de muitas e profundas modificações nas nossas vidas. Bem dizia o Paul Simon numa das suas velhas canções : after changes upon changes, we're more or less the same..., se a memória me não trai, na grata evocação que acabo de fazer. Há muito que não ouço este grande cantor, músico e poeta norte-americano...
AV_21-12-2004
AV_21-12-2004
16.12.04
A Perversão do Ensino
Saiu hoje no Público mais um excelente artigo da Prof.ª Fátima Bonifácio intitulado, apropriadamente, O Retorno da Desigualdade.
Já em Agosto deste ano, a autora do presente artigo nos tinha agradavelmente surpreendido com outro oportuno texto sobre o mesmo tema.
Agora, Fátima Bonifácio reforça e confirma a impressão então causada com este novo contundente artigo que, não revelando opiniões absolutamente inéditas, vem dar, neste assunto, força social a um conjunto de percepções difusas, mas generalizadas, visto que todos aqueles que acompanharam, ainda que apenas como encarregados de educação de jovens em idade escolar, a questão do Ensino em Portugal se foram dando conta da sua perigosa degradação, apenas negada e justificada pelos preconceituosos ideólogos que encontraram acolhimento nas cidadelas do Ministério da Educação, de onde, nos últimos decénios, têm debitado as fantasiosas teorias e experiências educativas que são responsáveis pelo descalabro atingido, finalmente, não mais susceptível de ser iludido.
Há muito que estas ideias vinham sendo percebidas e veiculadas, em conversas privadas, por vezes, mesmo com receio, dada a coacção mental imposta pela demagogia reinante, mas, como tudo na vida, um dia acaba e hoje já não é possível esconder a realidade debaixo do turvo manto das pseudo-teorias pedagógicas supostamente modernas e criativas. O seu resultado, vê-se agora, é absolutamente devastador : produziu largos milhares de vítimas inocentes, que pouco ou nada aprenderam, mesmo quando saíram licenciados de certos cursos e Escolas ditas Superiores.
O actual ensino não prepara os jovens para a vida profissional, porque desprezou a formação técnica, nem os habilita a empreender estudos sérios, na Universidade, porque lhes não proporcionou a aquisição de noções e conceitos básicos de disciplinas e matérias fundamentais para a sua ulterior formação, como não os dotou de métodos e hábitos de trabalho indispensáveis a qualquer especialização futura.
E quanto a fomentar a justiça ou a igualdade social, está mais que provada a total incapacidade de este tipo de Ensino laxista o fazer, gerando exactamente o seu contrário. Outra coisa não seria de esperar, ao consentir-se na redução dos níveis de exigência, na lassidão, na indisciplina e, por fim, na ruína da Escola Pública, principal esteio, se não único, das pessoas com modestos rendimentos, que nunca poderão socorrer-se de alternativas de aprendizagem e formação, por inacessíveis ou demasiado dispendiosas.
Por sobre tudo isto, deixou também a Escola Pública e, neste campo, igualmente a Privada, de formar cidadãos de cultura portuguesa, que é hoje profundamente desconhecida da generalidade dos nossos jovens e menos jovens, iludidos numa pretendida pertença a uma cidadania europeia, que, na sua ingenuidade e ignorância, supõem daquela os dispensar.
Pode ser que artigos como este, se bem entendidos por largas camadas de nossos concidadãos, venham a desencadear um sentimento e um propósito correctivos do presente mal, capazes de promoverem o aparecimento de cidadãos conscientes e patriotas, em lugar de indivíduos de identidade cultural equivocada, superficial e com graves lacunas, que os converte em meras unidades de consumo de produtos, na maioria supérfluos e de produção alheia, desprovidos de consciência cívica.
Oxalá este e outros escritos semelhantes, de pessoas animadas das mesmas intenções, tenham essa virtude ; de contrário, continuaremos a caminhar no sentido do nosso progressivo empobrecimento colectivo, material como espiritual.
Não obstante os empolados casos de êxito individual, fortemente mediatizados, que nos levaram até a ter - hoje - um nosso compatriota à frente dos destinos da União Europeia e jogadores e Estádios de Futebol considerados dos melhores do Mundo, o País permanece na cauda da Europa dos 15 e, por este andar, rapidamente alcançará a mesma posição na dos 25.
É para esta realidade que o País terá de acordar, se verdadeiramente dela quiser sair, como entidade colectiva, porque, nos êxitos individuais, já atingimos a nossa pequena quota de vaidade.
AV_Lisboa, 16-12-2004
Já em Agosto deste ano, a autora do presente artigo nos tinha agradavelmente surpreendido com outro oportuno texto sobre o mesmo tema.
Agora, Fátima Bonifácio reforça e confirma a impressão então causada com este novo contundente artigo que, não revelando opiniões absolutamente inéditas, vem dar, neste assunto, força social a um conjunto de percepções difusas, mas generalizadas, visto que todos aqueles que acompanharam, ainda que apenas como encarregados de educação de jovens em idade escolar, a questão do Ensino em Portugal se foram dando conta da sua perigosa degradação, apenas negada e justificada pelos preconceituosos ideólogos que encontraram acolhimento nas cidadelas do Ministério da Educação, de onde, nos últimos decénios, têm debitado as fantasiosas teorias e experiências educativas que são responsáveis pelo descalabro atingido, finalmente, não mais susceptível de ser iludido.
Há muito que estas ideias vinham sendo percebidas e veiculadas, em conversas privadas, por vezes, mesmo com receio, dada a coacção mental imposta pela demagogia reinante, mas, como tudo na vida, um dia acaba e hoje já não é possível esconder a realidade debaixo do turvo manto das pseudo-teorias pedagógicas supostamente modernas e criativas. O seu resultado, vê-se agora, é absolutamente devastador : produziu largos milhares de vítimas inocentes, que pouco ou nada aprenderam, mesmo quando saíram licenciados de certos cursos e Escolas ditas Superiores.
O actual ensino não prepara os jovens para a vida profissional, porque desprezou a formação técnica, nem os habilita a empreender estudos sérios, na Universidade, porque lhes não proporcionou a aquisição de noções e conceitos básicos de disciplinas e matérias fundamentais para a sua ulterior formação, como não os dotou de métodos e hábitos de trabalho indispensáveis a qualquer especialização futura.
E quanto a fomentar a justiça ou a igualdade social, está mais que provada a total incapacidade de este tipo de Ensino laxista o fazer, gerando exactamente o seu contrário. Outra coisa não seria de esperar, ao consentir-se na redução dos níveis de exigência, na lassidão, na indisciplina e, por fim, na ruína da Escola Pública, principal esteio, se não único, das pessoas com modestos rendimentos, que nunca poderão socorrer-se de alternativas de aprendizagem e formação, por inacessíveis ou demasiado dispendiosas.
Por sobre tudo isto, deixou também a Escola Pública e, neste campo, igualmente a Privada, de formar cidadãos de cultura portuguesa, que é hoje profundamente desconhecida da generalidade dos nossos jovens e menos jovens, iludidos numa pretendida pertença a uma cidadania europeia, que, na sua ingenuidade e ignorância, supõem daquela os dispensar.
Pode ser que artigos como este, se bem entendidos por largas camadas de nossos concidadãos, venham a desencadear um sentimento e um propósito correctivos do presente mal, capazes de promoverem o aparecimento de cidadãos conscientes e patriotas, em lugar de indivíduos de identidade cultural equivocada, superficial e com graves lacunas, que os converte em meras unidades de consumo de produtos, na maioria supérfluos e de produção alheia, desprovidos de consciência cívica.
Oxalá este e outros escritos semelhantes, de pessoas animadas das mesmas intenções, tenham essa virtude ; de contrário, continuaremos a caminhar no sentido do nosso progressivo empobrecimento colectivo, material como espiritual.
Não obstante os empolados casos de êxito individual, fortemente mediatizados, que nos levaram até a ter - hoje - um nosso compatriota à frente dos destinos da União Europeia e jogadores e Estádios de Futebol considerados dos melhores do Mundo, o País permanece na cauda da Europa dos 15 e, por este andar, rapidamente alcançará a mesma posição na dos 25.
É para esta realidade que o País terá de acordar, se verdadeiramente dela quiser sair, como entidade colectiva, porque, nos êxitos individuais, já atingimos a nossa pequena quota de vaidade.
AV_Lisboa, 16-12-2004
8.12.04
Conferência Sobre a Língua Portuguesa
A Fundação Gulbenkian patrocinou, em boa hora, uma Conferência sobre um tema que, de há muito, anda esquecido das preocupações dos povos que usam o Português como língua de cultura e de Estado. Os dois dias que lhe foram dedicados, 6 e 7 deste mês, parecem extraordinariamente escassos para o trabalho que se torna necessário realizar. Ainda assim, dirão os bem intencionados, serão melhor que nada.
Também a RTP 1, no seu programa de debate semanal, «Prós e Contras», quis assinalar o acontecimento, anteontem, 2ª feira, escolhendo o mesmo tema para debate.
Logo no painel de participantes não estiveram inspirados, visto que nele não figurava um único verdadeiro estudioso da Língua, com trabalho significativo publicado. Alguns habituais lá se encontravam, desde o infalível Professor Eduardo Prado Coelho, que sempre aparece nestes certames mediáticos, até aos representantes das Instituições patrocinantes da Conferência, todos eles sem contribuições de relevo para o fenómeno linguístico, a não ser na dita qualidade representante.
Apenas um convidado da plateia fez uma intervenção interessante sobre a linguagem utilizada pelos jovens nas mensagens dos telemóveis. Mas mesmo aqui afloraram equívocos perigosos, porque muitos destes jovens não dominam ainda a norma da língua e, com aquela prática encorajada, podem ser levados a concluir que se trata de uma opção de escrita, legítima nas demais circunstâncias. Se ninguém os alertar, nem lhes moderar essa tendência, acabarão a praticar uma linguagem empobrecida, defeituosa e amputada, fora dos recursos do idioma, que nunca conhecerão.
Ninguém abordou com atenção a acção perniciosa dos jornalistas e locutores da Televisão, sobretudo, muito mais devastadora do que a dos seus colegas da Imprensa escrita, que, no entanto, não é despicienda, quando desrespeitam ostensivamente regras básicas gramaticais, como se estas tivessem já sido abolidas, só porque o seu cumprimento não é generalizado.
Deveria o esforço normativo concentrar-se principalmente na televisão, a começar pela pronunciação correcta das palavras, coisa que parece ocioso apontar, porque deveria ser obrigação corrente e resultar de um treino prévio aturado, até que os candidatos a locutores começassem a intervir na comunicação.
Deveriam os responsáveis da sua preparação insistir na boa dicção e no ritmo adequado de locução para que se entendesse claramente o que dizem e simultaneamente fazerem escola, criando um padrão normativo, como acontece nas grandes cadeias de comunicação, a BBC, por exemplo.
Já quando eu aprendi inglês, há uns aninhos, no Instituto Britânico, em Lisboa, os professores aconselhavam todos os alunos a ouvirem regularmente aquela estação, prestando particular atenção à articulação das palavras e à entoação que lhes davam os locutores, considerados como praticando um paradigma de língua a seguir por quem pretendesse aprender inglês britânico correcto. Por isso nos recomendavam a aquisição de um rádio, com sintonia de ondas curtas, para que ouvíssemos as emissões da BBC-World Service, como se de um elemento de estudo auxiliar se tratasse, tal como o dicionário ou a gramática.
Parece até absurdo que não haja essa mesma preocupação na TV portuguesa e tanto profissional revele tantas deficiências. Custaria certamente pouco, em face dos benefícios colhidos, contratar um provedor da língua portuguesa, que se encarregasse de corrigir os erros detectados nas intervenções dos locutores. A pouco e pouco, a TV estatal seria vista como um paradigma, servindo de referência a todas as outras estações e «educando o povo», função que poderia muito bem desempenhar, sem complexos de o assumir, neste âmbito.
De contrário, o que sucede é que ela deseduca o mesmo povo. E não cabe dizer que não é a educação a sua função primordial, porque se se recusar a esse desígnio, acabará por realizar o seu oposto. A escola fará o seu papel, mas a TV atinge todas as gerações, em simultâneo e a todo o instante, logo não se deverá prescindir da sua própria utilidade formativa. Não o fazer, por prurido de extrema isenção, é errado e constitui mais um enorme desperdício de meios que, com frequência, vemos praticar.
Ainda a este propósito, na 2ª feira, o jornal «Público» trazia uma frase atribuída a um participante na Conferência da Gulbenkian, professor universitário, autor de uma das comunicações apresentadas, que me deixou estupefacto.
Dizia ele, segundo a transcrição do jornal, que a crioulização da língua portuguesa era não só inevitável, como também enriquecedora. Não sei, evidentemente, o contexto em que o dito professor, Victor Aguiar e Silva, suponho, de seu nome, o terá dito e qual a sua intenção, mas julgo que, se não justificou as circunstâncias em que considera válida aquela afirmação, ajudou certamente a propagar a confusão.
A crioulização da Língua Portuguesa, em Portugal, a ocorrer, terá de ser combatida, por não ter justificação, dispondo o país de meios suficientes para impor uma norma escorreita, sem ter de aceitar deturpações, compreensíveis embora em povos não escolarizados, totalmente inaceitáveis em zonas do mundo em que se exigem níveis crescentes de escolaridade obrigatória, a que devem corresponder conteúdos de aprendizagem reais, ou não valeria a pena prolongar ou impor sequer a obrigatoriedade escolar.
Os erros e as corrupções da Língua não se eliminam aperfilhando-os. Pode ser mais cómodo para os praticantes da norma ou mais simpático para os que laboram no erro, mas não é uma resposta lógica, nem aceitável.
Mesmo para as comunidades africanas que aqui vivem, o esforço da correcta aprendizagem da Língua é sumamente vantajoso, porque promotor da sua integração. Só têm a ganhar falando um português padrão, correcto, depurado de erros. Isto não significa que deixem de utilizar os diversos crioulos, dentro de casa, entre os seus. Podem, evidentemente, continuar a fazê-lo, embora sem descurar a aprendizagem do português, para seu próprio benefício. Ou também será politicamente incorrecto defender isto ?
Ademais, quando se encontra um erro, linguístico ou outro, quando se reconhece o erro, o único caminho válido e sadio a tomar é corrigi-lo, não legalizá-lo ou admiti-lo como variante válida da norma correspondente, com o argumento de que a maioria já o pratica e não se consegue impor a correcção. É este mais um dos defeitos do pensamento moderno, politicamente correcto, que foge de lutar pelo cumprimento das normas. É sempre mais «popular» e cómodo absolver o erro, relativizá-lo, e tratá-lo em pé de igualdade com a sua correcção.
Vejam no que daria esta atitude se aplicada a uma disciplina científica, a Matemática, por exemplo. Será por isso que ela é tão «impopular», por não admitir sempre várias soluções para um problema e não contemporizar com o erro ?
Será a Matemática contrária ao «espírito democrático» ?
Será mesmo «reaccionária» ou «elitista» ou «conservadora» ou «dogmática» ?
Há aqui muitos equívocos a desfazer.
Bem sabemos que a Língua não se rege por critérios idênticos aos das disciplinas científicas e vai evoluindo incorporando também corrupções, mas não queiramos, por isso, desprezar o respeito das normas, das regras gramaticais, sob pena de instaurarmos o caos, deturpando rapidamente o idioma.
Do Latim ao Português se chegou, ao fim de muitas centúrias, até se estabelecer um idioma culto, com gramática própria, estabilizada. Não queiramos, no espaço de uma ou duas gerações, desfigurar o idioma, só porque não estamos para nos ralar com a imposição da Norma. Não nos antecipemos ao trabalho do tempo, que não tem de ser necessariamente favorável à corrupção.
E, sobretudo, que esta não aconteça por desleixo. Para relembrar, a propósito, um nosso clássico, António Ferreira, diria que se ela, a Língua Portuguesa, está agora :
................
baixa e sem louvor,
culpa é dos que a mal exercitaram,
esquecimento nosso e desamor.
Este tema é muito interessante e levaria longo tempo a debater, mesmo por pessoas não especialistas na matéria, com formação académica em área diversa. Porém, a Língua é de todos ; é um elemento da nossa cidadania e, nesta qualidade, todos somos responsáveis pela sua «saúde».
É pena que os especialistas não intervenham mais, fora dos redutos académicos. A situação de franca bandalheira em que caiu o uso do português é verdadeiramente deplorável, de há muitos anos para cá, e não cessa de piorar, o que é ainda mais preocupante.
Quase todo o bicho careta julga que se promove enxameando o discurso de termos estrangeiros, ingleses, por regra, muitas vezes com a desculpa de que não existem termos equivalentes no português. Só raramente isso é verdade, na maior parte delas, o que acontece é que as pessoas desconhecem os recursos da sua língua-mãe ou nem fazem um esforço de procurar as traduções correctas.
Trata-se de puro desleixo, aliado a fútil exibicionismo. As entidades responsáveis deveriam igualmente contrariar a mania de dar nomes estrangeiros a estabelecimentos comerciais, onde a presunção é evidente e deslocada.
De um momento para o outro, os Centros Comerciais passaram a Shopping Centers, os testes ou provas de condução passaram a test drives, os prazos ou calendários ou datas ou distribuição de tempo, a timimgs e outras futilidades pretensiosas que conspurcam a nossa linguagem e, acima de tudo, não se justificam, porque são quase sempre supérfluas, substituíveis com maior ou menor esforço.
Ninguém parece preocupar-se com isto, como aliás, pouca gente se preocupa com aquilo que representa a nossa identidade cultural. A nossa rádio quase não transmite música portuguesa, os estabelecimentos de diversão só põem música anglo-americana, os jovens já só se dignam cantar em inglês, americano, na sua maior parte, que, aliás, não dominam, como não dominam o próprio português, apesar de o «terem estudado» anos a fio. Muitos acabam licenciaturas sem dominarem a regência verbal. Será isto normal e inelutável ?
Vejam-se os erros frequentes no modo imperativo, no imperativo negativo, no conjuntivo, no futuro do conjuntivo, no infinitivo pessoal, etc. Para já não falar nos verbos defectivos e no negregado verbo haver, geralmente mal conjugado, não distinguindo as suas diferentes funções : como principal e como auxiliar.
Há até uma conhecida figura política, que já foi Ministro e Deputado da Nação várias vezes, que nunca atinou com este verbo. Nem tendo como sua correligionária uma reputada especialista na Língua logrou ultrapassar a deficiência gramatical. Passa até por ser considerado um bom comunicador.
Enfim, muito há que fazer neste campo e terão de ser os falantes do português, aqui ou em qualquer outra parte do mundo que o tenha como língua oficial ou de cultura, a defendê-lo, a cultivá-lo, começando desde logo por depurá-lo.
Quem julgarão que mais tem esse dever, senão estes ? Esperarão que sejam os espanhóis, os franceses ou outros povos a tomarem como sua essa tarefa ?
Estudemos, nós outros, Portugueses, Brasileiros, Angolanos, Moçambicanos, Guineenses, Cabo-Verdianos, São Tomenses, Indianos, Timorenses e Macaenses, todas as línguas que quisermos e cultivemos todas as que pudermos, mas não maltratemos e não desprezemos a nossa, a de Camões, de Camilo, de Eça, de Pessoa, de Torga, de Sofia, de Saramago, de Machado de Assis, de Euclides da Cunha, de Rui Barbosa, de Drummond de Andrade, de Craveirinha, de Luandino e de tantos, tantos outros que a honraram e a dignificaram para ela ser hoje aquilo que é : uma língua culta, nobre, dúctil, esbelta e formosa, que não teme comparações com as demais, para não dizer tanto como Rodrigues Lobo, que de tanto a enaltecer, de tanto amor, naturalmente exagerou. Mas, aqui também, mais vale querer por excesso que por defeito.
Voltarei certamente ao tema, porque o défice de debate é enorme.
AV_Lisboa, 8 de Dezembro de 2004
Também a RTP 1, no seu programa de debate semanal, «Prós e Contras», quis assinalar o acontecimento, anteontem, 2ª feira, escolhendo o mesmo tema para debate.
Logo no painel de participantes não estiveram inspirados, visto que nele não figurava um único verdadeiro estudioso da Língua, com trabalho significativo publicado. Alguns habituais lá se encontravam, desde o infalível Professor Eduardo Prado Coelho, que sempre aparece nestes certames mediáticos, até aos representantes das Instituições patrocinantes da Conferência, todos eles sem contribuições de relevo para o fenómeno linguístico, a não ser na dita qualidade representante.
Apenas um convidado da plateia fez uma intervenção interessante sobre a linguagem utilizada pelos jovens nas mensagens dos telemóveis. Mas mesmo aqui afloraram equívocos perigosos, porque muitos destes jovens não dominam ainda a norma da língua e, com aquela prática encorajada, podem ser levados a concluir que se trata de uma opção de escrita, legítima nas demais circunstâncias. Se ninguém os alertar, nem lhes moderar essa tendência, acabarão a praticar uma linguagem empobrecida, defeituosa e amputada, fora dos recursos do idioma, que nunca conhecerão.
Ninguém abordou com atenção a acção perniciosa dos jornalistas e locutores da Televisão, sobretudo, muito mais devastadora do que a dos seus colegas da Imprensa escrita, que, no entanto, não é despicienda, quando desrespeitam ostensivamente regras básicas gramaticais, como se estas tivessem já sido abolidas, só porque o seu cumprimento não é generalizado.
Deveria o esforço normativo concentrar-se principalmente na televisão, a começar pela pronunciação correcta das palavras, coisa que parece ocioso apontar, porque deveria ser obrigação corrente e resultar de um treino prévio aturado, até que os candidatos a locutores começassem a intervir na comunicação.
Deveriam os responsáveis da sua preparação insistir na boa dicção e no ritmo adequado de locução para que se entendesse claramente o que dizem e simultaneamente fazerem escola, criando um padrão normativo, como acontece nas grandes cadeias de comunicação, a BBC, por exemplo.
Já quando eu aprendi inglês, há uns aninhos, no Instituto Britânico, em Lisboa, os professores aconselhavam todos os alunos a ouvirem regularmente aquela estação, prestando particular atenção à articulação das palavras e à entoação que lhes davam os locutores, considerados como praticando um paradigma de língua a seguir por quem pretendesse aprender inglês britânico correcto. Por isso nos recomendavam a aquisição de um rádio, com sintonia de ondas curtas, para que ouvíssemos as emissões da BBC-World Service, como se de um elemento de estudo auxiliar se tratasse, tal como o dicionário ou a gramática.
Parece até absurdo que não haja essa mesma preocupação na TV portuguesa e tanto profissional revele tantas deficiências. Custaria certamente pouco, em face dos benefícios colhidos, contratar um provedor da língua portuguesa, que se encarregasse de corrigir os erros detectados nas intervenções dos locutores. A pouco e pouco, a TV estatal seria vista como um paradigma, servindo de referência a todas as outras estações e «educando o povo», função que poderia muito bem desempenhar, sem complexos de o assumir, neste âmbito.
De contrário, o que sucede é que ela deseduca o mesmo povo. E não cabe dizer que não é a educação a sua função primordial, porque se se recusar a esse desígnio, acabará por realizar o seu oposto. A escola fará o seu papel, mas a TV atinge todas as gerações, em simultâneo e a todo o instante, logo não se deverá prescindir da sua própria utilidade formativa. Não o fazer, por prurido de extrema isenção, é errado e constitui mais um enorme desperdício de meios que, com frequência, vemos praticar.
Ainda a este propósito, na 2ª feira, o jornal «Público» trazia uma frase atribuída a um participante na Conferência da Gulbenkian, professor universitário, autor de uma das comunicações apresentadas, que me deixou estupefacto.
Dizia ele, segundo a transcrição do jornal, que a crioulização da língua portuguesa era não só inevitável, como também enriquecedora. Não sei, evidentemente, o contexto em que o dito professor, Victor Aguiar e Silva, suponho, de seu nome, o terá dito e qual a sua intenção, mas julgo que, se não justificou as circunstâncias em que considera válida aquela afirmação, ajudou certamente a propagar a confusão.
A crioulização da Língua Portuguesa, em Portugal, a ocorrer, terá de ser combatida, por não ter justificação, dispondo o país de meios suficientes para impor uma norma escorreita, sem ter de aceitar deturpações, compreensíveis embora em povos não escolarizados, totalmente inaceitáveis em zonas do mundo em que se exigem níveis crescentes de escolaridade obrigatória, a que devem corresponder conteúdos de aprendizagem reais, ou não valeria a pena prolongar ou impor sequer a obrigatoriedade escolar.
Os erros e as corrupções da Língua não se eliminam aperfilhando-os. Pode ser mais cómodo para os praticantes da norma ou mais simpático para os que laboram no erro, mas não é uma resposta lógica, nem aceitável.
Mesmo para as comunidades africanas que aqui vivem, o esforço da correcta aprendizagem da Língua é sumamente vantajoso, porque promotor da sua integração. Só têm a ganhar falando um português padrão, correcto, depurado de erros. Isto não significa que deixem de utilizar os diversos crioulos, dentro de casa, entre os seus. Podem, evidentemente, continuar a fazê-lo, embora sem descurar a aprendizagem do português, para seu próprio benefício. Ou também será politicamente incorrecto defender isto ?
Ademais, quando se encontra um erro, linguístico ou outro, quando se reconhece o erro, o único caminho válido e sadio a tomar é corrigi-lo, não legalizá-lo ou admiti-lo como variante válida da norma correspondente, com o argumento de que a maioria já o pratica e não se consegue impor a correcção. É este mais um dos defeitos do pensamento moderno, politicamente correcto, que foge de lutar pelo cumprimento das normas. É sempre mais «popular» e cómodo absolver o erro, relativizá-lo, e tratá-lo em pé de igualdade com a sua correcção.
Vejam no que daria esta atitude se aplicada a uma disciplina científica, a Matemática, por exemplo. Será por isso que ela é tão «impopular», por não admitir sempre várias soluções para um problema e não contemporizar com o erro ?
Será a Matemática contrária ao «espírito democrático» ?
Será mesmo «reaccionária» ou «elitista» ou «conservadora» ou «dogmática» ?
Há aqui muitos equívocos a desfazer.
Bem sabemos que a Língua não se rege por critérios idênticos aos das disciplinas científicas e vai evoluindo incorporando também corrupções, mas não queiramos, por isso, desprezar o respeito das normas, das regras gramaticais, sob pena de instaurarmos o caos, deturpando rapidamente o idioma.
Do Latim ao Português se chegou, ao fim de muitas centúrias, até se estabelecer um idioma culto, com gramática própria, estabilizada. Não queiramos, no espaço de uma ou duas gerações, desfigurar o idioma, só porque não estamos para nos ralar com a imposição da Norma. Não nos antecipemos ao trabalho do tempo, que não tem de ser necessariamente favorável à corrupção.
E, sobretudo, que esta não aconteça por desleixo. Para relembrar, a propósito, um nosso clássico, António Ferreira, diria que se ela, a Língua Portuguesa, está agora :
................
baixa e sem louvor,
culpa é dos que a mal exercitaram,
esquecimento nosso e desamor.
Este tema é muito interessante e levaria longo tempo a debater, mesmo por pessoas não especialistas na matéria, com formação académica em área diversa. Porém, a Língua é de todos ; é um elemento da nossa cidadania e, nesta qualidade, todos somos responsáveis pela sua «saúde».
É pena que os especialistas não intervenham mais, fora dos redutos académicos. A situação de franca bandalheira em que caiu o uso do português é verdadeiramente deplorável, de há muitos anos para cá, e não cessa de piorar, o que é ainda mais preocupante.
Quase todo o bicho careta julga que se promove enxameando o discurso de termos estrangeiros, ingleses, por regra, muitas vezes com a desculpa de que não existem termos equivalentes no português. Só raramente isso é verdade, na maior parte delas, o que acontece é que as pessoas desconhecem os recursos da sua língua-mãe ou nem fazem um esforço de procurar as traduções correctas.
Trata-se de puro desleixo, aliado a fútil exibicionismo. As entidades responsáveis deveriam igualmente contrariar a mania de dar nomes estrangeiros a estabelecimentos comerciais, onde a presunção é evidente e deslocada.
De um momento para o outro, os Centros Comerciais passaram a Shopping Centers, os testes ou provas de condução passaram a test drives, os prazos ou calendários ou datas ou distribuição de tempo, a timimgs e outras futilidades pretensiosas que conspurcam a nossa linguagem e, acima de tudo, não se justificam, porque são quase sempre supérfluas, substituíveis com maior ou menor esforço.
Ninguém parece preocupar-se com isto, como aliás, pouca gente se preocupa com aquilo que representa a nossa identidade cultural. A nossa rádio quase não transmite música portuguesa, os estabelecimentos de diversão só põem música anglo-americana, os jovens já só se dignam cantar em inglês, americano, na sua maior parte, que, aliás, não dominam, como não dominam o próprio português, apesar de o «terem estudado» anos a fio. Muitos acabam licenciaturas sem dominarem a regência verbal. Será isto normal e inelutável ?
Vejam-se os erros frequentes no modo imperativo, no imperativo negativo, no conjuntivo, no futuro do conjuntivo, no infinitivo pessoal, etc. Para já não falar nos verbos defectivos e no negregado verbo haver, geralmente mal conjugado, não distinguindo as suas diferentes funções : como principal e como auxiliar.
Há até uma conhecida figura política, que já foi Ministro e Deputado da Nação várias vezes, que nunca atinou com este verbo. Nem tendo como sua correligionária uma reputada especialista na Língua logrou ultrapassar a deficiência gramatical. Passa até por ser considerado um bom comunicador.
Enfim, muito há que fazer neste campo e terão de ser os falantes do português, aqui ou em qualquer outra parte do mundo que o tenha como língua oficial ou de cultura, a defendê-lo, a cultivá-lo, começando desde logo por depurá-lo.
Quem julgarão que mais tem esse dever, senão estes ? Esperarão que sejam os espanhóis, os franceses ou outros povos a tomarem como sua essa tarefa ?
Estudemos, nós outros, Portugueses, Brasileiros, Angolanos, Moçambicanos, Guineenses, Cabo-Verdianos, São Tomenses, Indianos, Timorenses e Macaenses, todas as línguas que quisermos e cultivemos todas as que pudermos, mas não maltratemos e não desprezemos a nossa, a de Camões, de Camilo, de Eça, de Pessoa, de Torga, de Sofia, de Saramago, de Machado de Assis, de Euclides da Cunha, de Rui Barbosa, de Drummond de Andrade, de Craveirinha, de Luandino e de tantos, tantos outros que a honraram e a dignificaram para ela ser hoje aquilo que é : uma língua culta, nobre, dúctil, esbelta e formosa, que não teme comparações com as demais, para não dizer tanto como Rodrigues Lobo, que de tanto a enaltecer, de tanto amor, naturalmente exagerou. Mas, aqui também, mais vale querer por excesso que por defeito.
Voltarei certamente ao tema, porque o défice de debate é enorme.
AV_Lisboa, 8 de Dezembro de 2004
5.12.04
As Bocas Abriram-se
Depois de António Borges, falou hoje mais um dos militantes aristocratas do PSD, verberando a mediocridade da gente do barrosismo, no seu dizer pitoresco.
Não serei eu a discordar da dita qualificação, mas não posso deixar de notar que todos se estiveram a resguardar de afirmar o que pensavam, até que soou o grito de alarme de Cavaco Silva.
Então por que não falou toda esta gente antes do grito do Professor ? Onde está a sua autonomia de pensamento ?
E se comprovam e censuram a incompetência, a mediocridade, a venalidade, etc., reinantes, por que não se constituem eles próprios em alternativa dentro do Partido, afastando de vez os incapazes e corruptos ?
Por que vão agora fingir que apoiam Santana Lopes, na esperança de que ele se estampe por completo, em lugar de lutarem por erguer uma alternativa, para o Partido, mas, sobretudo, para o País, que definha a olhos vistos, em PIB e em ânimo para sair do negrume em que mergulhou há anos ?
Parecem todos jogadores de xadrez, perante a catástrofe que se perfila.
Imaginai, por ociosidade académica, o cenário seguinte : derrota já nas legislativas antecipadas, derrotas generalizadas nas Autárquicas, a começar pela perda da Câmara de Lisboa, onde o esforçado Carmona Rodrigues já pouco poderá fazer, culminando com um vexame nas Presidenciais, se o entretanto retornado e absolvido Guterres lograr desembararçar-se, com a sua consabida lábia, na rábula que se prepara.
Será um «Deus nos acuda», meus senhores ! E não vos incomodará, como espinho percuciente na vossa consciência de cidadãos, a mera figuração de tão tenebroso cenário ?
Se faço estes exercícios de imaginação é porque começo a verificar que não erro mais que muitos encartados comentadores ou especialistas da coisa política.
Estou até a considerar repor aqui alguns textos dos meses anteriores, tão próximos os acho da realidade actual.
Vamos agora começar a ouvir múltiplas vozes até aqui emudecidas. Cessou o tempo da «meditação». É tempo de vermos quem são os filósofos.
Si tacuisses, philosophus mansisses/Se tivesses ficado calado, terias continuado filósofo.
Veritatem dies aperit/ O dia descobre a verdade.
AV_05-12-2004
Não serei eu a discordar da dita qualificação, mas não posso deixar de notar que todos se estiveram a resguardar de afirmar o que pensavam, até que soou o grito de alarme de Cavaco Silva.
Então por que não falou toda esta gente antes do grito do Professor ? Onde está a sua autonomia de pensamento ?
E se comprovam e censuram a incompetência, a mediocridade, a venalidade, etc., reinantes, por que não se constituem eles próprios em alternativa dentro do Partido, afastando de vez os incapazes e corruptos ?
Por que vão agora fingir que apoiam Santana Lopes, na esperança de que ele se estampe por completo, em lugar de lutarem por erguer uma alternativa, para o Partido, mas, sobretudo, para o País, que definha a olhos vistos, em PIB e em ânimo para sair do negrume em que mergulhou há anos ?
Parecem todos jogadores de xadrez, perante a catástrofe que se perfila.
Imaginai, por ociosidade académica, o cenário seguinte : derrota já nas legislativas antecipadas, derrotas generalizadas nas Autárquicas, a começar pela perda da Câmara de Lisboa, onde o esforçado Carmona Rodrigues já pouco poderá fazer, culminando com um vexame nas Presidenciais, se o entretanto retornado e absolvido Guterres lograr desembararçar-se, com a sua consabida lábia, na rábula que se prepara.
Será um «Deus nos acuda», meus senhores ! E não vos incomodará, como espinho percuciente na vossa consciência de cidadãos, a mera figuração de tão tenebroso cenário ?
Se faço estes exercícios de imaginação é porque começo a verificar que não erro mais que muitos encartados comentadores ou especialistas da coisa política.
Estou até a considerar repor aqui alguns textos dos meses anteriores, tão próximos os acho da realidade actual.
Vamos agora começar a ouvir múltiplas vozes até aqui emudecidas. Cessou o tempo da «meditação». É tempo de vermos quem são os filósofos.
Si tacuisses, philosophus mansisses/Se tivesses ficado calado, terias continuado filósofo.
Veritatem dies aperit/ O dia descobre a verdade.
AV_05-12-2004
4.12.04
António Borges, novo salvador do PSD ?
Está por provar que um Profissional bem sucedido, ou próspero Empresário que seja, dê um bom governante. Acho até equívoca e perniciosa esta presunção.
Muitas destas pessoas, bem sucedidas nos negócios, sem dúvida capazes, competentes e até brilhantes, nas suas funções, revelam-se depois péssimos ou medíocres governantes, porque não têm sentido de missão, nem verdadeiro apreço ou apego pela coisa pública, a res publica dos Romanos.
Muitos deles, só se interessam por funções no Estado, em razão do penacho e da vaidade que elas proporcionam.
Fariam estas personalidades melhor em continuar onde estão, procurando cumprir com honestidade e proficiência o objectivo das suas profissões, que alguns sumariamente resumem na crueza de curtas expressões, como «criar riqueza, valor acrescentado, ou ganhar dinheiro» e deixarem-se de devaneios de presumíveis estadistas...
Se, na verdade, quiserem servir Portugal, comecem por revelar pensamento político autónomo e conhecimento real do País, alargado, e não apenas restringido à área económico-financeira, em lugar de se acobertarem num pseudo-científico jargão economês, que esconde muita impreparação para o exercício pleno da cidadania.
Não digo que seja o caso da pessoa aqui referida, mas convém não levantar logo pedestais a quem ainda não disse coisa de tomo sobre o País, para além da enunciação de princípios em geral merecedores de acolhimento.
Além disso, ameaça tornar-se obsessiva esta preferência e fixação em Economistas e Financeiros, redentores da Pátria naufragada. Ninguém lhes retira o mérito próprio, que se presume seja elevado, mas revela qualquer coisa de obsessivo, redutor e injustificado.
Lembre-se que a Economia não é uma disciplina completamente científica. Tem pressupostos vincadamente ideológicos ou políticos e é influenciada por múltiplos factores de natureza aleatória, cuja intervenção e sentido ninguém garante.
AV_03-12-2004
Muitas destas pessoas, bem sucedidas nos negócios, sem dúvida capazes, competentes e até brilhantes, nas suas funções, revelam-se depois péssimos ou medíocres governantes, porque não têm sentido de missão, nem verdadeiro apreço ou apego pela coisa pública, a res publica dos Romanos.
Muitos deles, só se interessam por funções no Estado, em razão do penacho e da vaidade que elas proporcionam.
Fariam estas personalidades melhor em continuar onde estão, procurando cumprir com honestidade e proficiência o objectivo das suas profissões, que alguns sumariamente resumem na crueza de curtas expressões, como «criar riqueza, valor acrescentado, ou ganhar dinheiro» e deixarem-se de devaneios de presumíveis estadistas...
Se, na verdade, quiserem servir Portugal, comecem por revelar pensamento político autónomo e conhecimento real do País, alargado, e não apenas restringido à área económico-financeira, em lugar de se acobertarem num pseudo-científico jargão economês, que esconde muita impreparação para o exercício pleno da cidadania.
Não digo que seja o caso da pessoa aqui referida, mas convém não levantar logo pedestais a quem ainda não disse coisa de tomo sobre o País, para além da enunciação de princípios em geral merecedores de acolhimento.
Além disso, ameaça tornar-se obsessiva esta preferência e fixação em Economistas e Financeiros, redentores da Pátria naufragada. Ninguém lhes retira o mérito próprio, que se presume seja elevado, mas revela qualquer coisa de obsessivo, redutor e injustificado.
Lembre-se que a Economia não é uma disciplina completamente científica. Tem pressupostos vincadamente ideológicos ou políticos e é influenciada por múltiplos factores de natureza aleatória, cuja intervenção e sentido ninguém garante.
AV_03-12-2004
A Actuação Pífia de Jorge Sampaio
Começa agora a ser evidente que desta história da dissolução anunciada da Assembleia, o Presidente da República também não se sai a contento.
E não se deve ver aqui um simples erro ou lapso ou esquecimento, como diz benevolamente o entretanto apaziguado Presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, inicialmente abespinhado por aquele não lhe ter comunicado a fulminante intenção e dela apenas ter sabido pela Comunicação Social.
Um engano, qualquer tem, mas isto não é um engano, é uma incompetência inadmissível, vinda de quem vem :
Primeiro, porque Sampaio é Jurista, não é Economista, nem Engenheiro.
Segundo, fez o Liceu e a Faculdade, no tempo em que a exigência escolar era regularmente elevada e prestável, apesar de «obscurantista». Note-se que, ainda assim, serviu para formar toda uma geração de ilustres democratas anti-fascistas.
Terceiro, conta com um largo séquito de assessores e conselheiros, civis e militares, para o coadjuvarem.
Quarto, deixou-se conduzir pela obsessão de «demitir» Santana Lopes, o líder do Governo da Direita, reaccionária e retrógrada, no fraseado florido das Esquerdas : a do caviar, a do Lux e a do antigamente.
Ou seja, Sampaio não aguentou a pressão dos seus correligionários e, cheio dos remorsos da anterior decisão de Julho, precipitou-se, tanto, que nem acautelou a sua posição, abrindo escancaradamente o flanco.
Se achava tão importante a aprovação do Orçamento, por que não esperou mais uns dias por ela, para então anunciar a decisão de dissolver o Parlamento ?
E por que não fundamentou logo a decisão ? Por que não a preparou previamente?
Por que não ouviu primeiro os órgãos curiais, como fez em Julho, até em excesso ?
Em suma, foi uma actuação redondamente pífia, equivalente à da prestação do Governo sob avaliação.
E que dizer da figura do Presidente da Assembleia da República (ia a dizer Assembleia Nacional, mas lembrei-me que o termo continua excomungado, lapso que decorrerá de andar a ler o excelente Diário de Salazar, de António Trabulo) que, de zangado com Sampaio, passou a ser o seu melhor porta-voz, compreensivo e absolvedor, ainda ganhando, nesta qualidade, ao experimentado Santana, que também se prestou a essa função na passada 3ª feira, à saída de Belém. E andam estas figuras há 30 anos, pelo menos, na Política, sempre no seu epicentro, para cometerem destas ingenuidades e incongruências.
Que seria se se dedicassem a outras profissões, bem mais mal pagas e muito mais exigentes ?
Quousque tandem ...
AV_03-12-2004
E não se deve ver aqui um simples erro ou lapso ou esquecimento, como diz benevolamente o entretanto apaziguado Presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, inicialmente abespinhado por aquele não lhe ter comunicado a fulminante intenção e dela apenas ter sabido pela Comunicação Social.
Um engano, qualquer tem, mas isto não é um engano, é uma incompetência inadmissível, vinda de quem vem :
Primeiro, porque Sampaio é Jurista, não é Economista, nem Engenheiro.
Segundo, fez o Liceu e a Faculdade, no tempo em que a exigência escolar era regularmente elevada e prestável, apesar de «obscurantista». Note-se que, ainda assim, serviu para formar toda uma geração de ilustres democratas anti-fascistas.
Terceiro, conta com um largo séquito de assessores e conselheiros, civis e militares, para o coadjuvarem.
Quarto, deixou-se conduzir pela obsessão de «demitir» Santana Lopes, o líder do Governo da Direita, reaccionária e retrógrada, no fraseado florido das Esquerdas : a do caviar, a do Lux e a do antigamente.
Ou seja, Sampaio não aguentou a pressão dos seus correligionários e, cheio dos remorsos da anterior decisão de Julho, precipitou-se, tanto, que nem acautelou a sua posição, abrindo escancaradamente o flanco.
Se achava tão importante a aprovação do Orçamento, por que não esperou mais uns dias por ela, para então anunciar a decisão de dissolver o Parlamento ?
E por que não fundamentou logo a decisão ? Por que não a preparou previamente?
Por que não ouviu primeiro os órgãos curiais, como fez em Julho, até em excesso ?
Em suma, foi uma actuação redondamente pífia, equivalente à da prestação do Governo sob avaliação.
E que dizer da figura do Presidente da Assembleia da República (ia a dizer Assembleia Nacional, mas lembrei-me que o termo continua excomungado, lapso que decorrerá de andar a ler o excelente Diário de Salazar, de António Trabulo) que, de zangado com Sampaio, passou a ser o seu melhor porta-voz, compreensivo e absolvedor, ainda ganhando, nesta qualidade, ao experimentado Santana, que também se prestou a essa função na passada 3ª feira, à saída de Belém. E andam estas figuras há 30 anos, pelo menos, na Política, sempre no seu epicentro, para cometerem destas ingenuidades e incongruências.
Que seria se se dedicassem a outras profissões, bem mais mal pagas e muito mais exigentes ?
Quousque tandem ...
AV_03-12-2004
1.12.04
Lição
Para ajuizarmos da reputação do Governo, basta comparar a euforia que a decisão de Sampaio causou num sector político(Esquerda), com a quase geral resignação silenciosa ou lamurienta dos apoiantes da Coligação de Centro-Direita, na crismada terminologia jornalística aceite pelos visados.
Até nisto, o Governo era já um cadáver adiado, porque perderá sempre a batalha o Exército que não acha ânimo para combater. Quando tal sucede, porque lhe falta a convicção nos objectivos apontados ou porque não acredita naqueles que lhos propõem, o resultado encontra-se antecipadamente sentenciado, o triste fim será tão-só uma questão de tempo.
Tirem-se as ilações correspondentes.
AV
Até nisto, o Governo era já um cadáver adiado, porque perderá sempre a batalha o Exército que não acha ânimo para combater. Quando tal sucede, porque lhe falta a convicção nos objectivos apontados ou porque não acredita naqueles que lhos propõem, o resultado encontra-se antecipadamente sentenciado, o triste fim será tão-só uma questão de tempo.
Tirem-se as ilações correspondentes.
AV
O Grito de Alarme e os seus Ecos
O expectável aconteceu. O Governo de Santana Lopes, fraco, desequilibrado e mal dirigido, viu-se desautorizado pelo Presidente da República, que decidiu dissolver o Parlamento e marcar eleições legislativas antecipadas. Até lá, o Governo manter-se-á em funções, com algumas limitações constitucionais.
Esperemos que saiba honrar o resto do caminho, já que falhou a sua grande oportunidade de ganhar a confiança do povo e das Instituições da Nação.
A decisão do PR tem de aceitar-se como normal, ainda que lhe sintamos sensibilidade diferente na avaliação do desempenho dos executivos. Entre as trapalhadas de Guterres e as de Santana, o PR tem menos paciência para as últimas. Mas, compreende-se, porque nunca disfarçou a sua inclinação socialista, nem sequer usou a formalidade de Soares, velha raposa política, que devolveu o seu cartão de militante, logo que entrou em Belém.
Só os incautos acreditaram na apregoada pureza da atitude publicitada com fragor. No seu segundo mandato, Soares viria a exibir, sem rebuço, o seu antes reprimido desejo, como depois plenamente se percebeu, no combate que moveu e na ulterior derrota que infligiu a Cavaco Silva e ao PSD, em grande parte devida à forte cumplicidade que Soares estabeleceu com toda a oposição política em exercício, animosamente unidos no mesmo propósito. De resto, ele próprio já o confessou publicamente, não tivessem alguns ingénuos desentendido a manobra.
O PSD, falho de percepção e temeroso de luta política, até tinha aceitado apoiar a reeleição de Soares, que, assim, bem remuneradamente lha pagaria. Houve aqui nítido défice de percepção política da parte do PSD, então demasiado entusiasmado com as auto-estradas e com os fundos da União Europeia.
Soares e os socialistas agem sempre com maior sentido político. O PSD e Cavaco Silva quase pretenderam expulsar a Política, apresentando-se insistentemente apenas como gestores assépticos dos negócios do Estado, entidade que chegavam a ver com indesfarçável enfado.
Por tanto menosprezarem o fenómeno político e se terem convencido de que bastaria a sua reputação de gestores para granjear a aceitação dos eleitores, acharam-se no final desamparados e metidos em intrincada discussão pela sucessão do legado político de Cavaco Silva.
Passados cerca de 10 anos desde a sua saída do Governo, depois de uma prolongada indefinição, conhecida pelo tabu do seu empenho político futuro, veio Cavaco Silva finalmente a terreiro com um artigo de intenção política no Expresso, lançando o seu grito de alarme para a fraca qualidade dos agentes políticos actuais.
Diga-se que foi positivo que tivesse lançado esse grito de alarme, porque, finalmente, alguém com grande notoriedade e credibilidade, da área do PSD, apareceu a dizer o que muitos outros, ao longo dos últimos anos, vinham dizendo, sem que ninguém os ouvisse.
Mas, se foi positiva a sua intervenção, há que acrescentar que ela peca por tardia e não diz tudo o que é preciso.
A situação presente é demasiado calamitosa e não se recompõe, com pequenas mexidas ou correcções. Sem uma grande reformulação do ideário e do pessoal político do PSD nada de significativo mudará.
Ter-se-ia de começar pela redefinição do seu ideário político. Se de facto se acha que a Social-Democracia deixou de ser a motivação política do PSD, então há que declará-lo sem ambiguidade ; se se entende que o nome do partido só se mantém por razões históricas, sem repercussão na doutrina actual, é melhor que isso seja afirmado ; se já se entende haver percebido a nova definição doutrinária, nas transformações sociais e políticas operadas nas últimas décadas, deve-se do mesmo modo proclamá-lo e difundi-lo, para que não subsistam mal-entendidos.
A actual confusão gera comportamentos erróneos e ilude muitos bem intencionados.
Modestamente, já aqui no Alma Lusíada e no Veritas Filia Temporis, de Pacheco Pereira, abordei este tema, como contributo para um debate necessário, que me parecia urgente que se desencadeasse, não havendo, todavia, logrado nenhum êxito, nem sequer resposta ou réplica, concordante ou discordante.Dir-se-ia haver, em certos círculos, horror à discussão política ou então dar-se-á o caso de estarem a reservar-se para elevados debates com altas figuras da filosofia política mundial.
Acresce que me custa ver tanta gente, que se diz interessada na vida política, sem se importar com o seu suporte doutrinário, ainda que de mero referencial se tratasse, para orientação e esclarecimento da sua intervenção política : individual e colectiva.
A luta política consequente exige formação teórica, doutrina, firmeza de carácter, clareza de objectivos, metas de realização e empenho dos seus agentes. Sem isto, não há verdadeira actuação política, mas apenas arregimentação de hostes de oportunistas que seguem, ora um ora outro líder, que, no momento, lhes pareça mais capaz de as conduzir às cobiçadas regalias do poder.
Lamento dizer, mas não vi que Cavaco Silva alguma vez nos seus mandatos tivessse mostrado preocupação por estes assuntos. Pelo contrário, muitas vezes, desdenhou a dimensão política, sobrevalorizando os aspectos económicos e financeiros no exercício da governação, assim como não deu suficiente atenção a aspectos fundamentais do robustecimento do tecido da Nação.
A Educação e a Cultura, já no seu tempo, andavam muito subalternizadas ; a Agricultura, logo se desmantelou ; as Pescas, idem, num afã de aprovação de Bruxelas que levava a que ficássemos progressivamente mais enfraquecidos de infra-estruturas básicas, suporte da subsistência de qualquer país que preze a sua autonomia.
Foi também pela mão de Cavaco Silva que muito falso valor veio para a Política, de onde depois saíram para douradas carreiras de gestão nas Empresas Públicas e privadas, nalguns casos também com pouca transparência, dada a promiscuidade que se gerava, ao transitarem para sectores antes tutelados nos cargos que desempenhavam.
A maioria desta gente rapidamente se desinteressou da Política, servindo estratégias partidárias diversas, consoante as vitórias eleitorais, sem qualquer empenho ou contributo na vida da res publica.
Se recordo estes aspectos, não é porque menospreze a acção de Cavaco Silva, em quem repetidamente votei.
Reconheço todos os seus méritos de pessoa séria, competente, muito conhecedora na esfera económico-financeira, dotado de uma autoridade natural, que o privilegia para o exercício do poder, sem dúvida muito acima da média dos outros intervenientes do espectro partidário. Mas, naturalmente, com limitações, como todos os mortais e, por isso, carecido de boa colaboração, vertente em que amiúde falhou, quer na escolha, quer na cobertura que deu a algumas figuras inteiramente desmerecedoras dela.
Por isso mesmo, considero que a sua intervenção pública, em matéria agora claramente política, ainda que invocando uma lei da Economia, vem algo atrasada e, se corresponde a um firme propósito de novo empenhamento político pessoal da sua parte, ela tem de ser complementada com um entendimento com a parte sã da família social-democrática desavinda, na base de princípios e objectivos claros, para retirar o País da situação degradada e depressiva em que há anos mergulhou e de que tarda em conseguir sair.
A leviandade, a impreparação e a incompetência com que o PSD agiu, nos últimos nove anos, na oposição como no poder, em sectores importantíssimos da vida do País, como sejam a Energia (sem orientação), a Indústria (a que resta), a Educação (que não há),a Cultura (sem chama), a Agricultura (a que sobrevive), as Pescas (em desaparecimento), a Saúde(caótica) e a Justiça(desacreditada), sem pretender hierarquizar, exige que se faça um amplo exame dos sectores, prévio a qualquer actuação futura, se se pretende visar uma melhoria sustentada.
É preciso efectuar um diagnóstico rigoroso da situação do País, sector por sector, e, a partir dele, traçar um programa eficaz de actuação, não cometendo os erros anteriores, nem voltando a apostar em figuras que decepcionaram ou se desonraram, porque ou não revelaram a competência esperada ou apenas se serviram dos cargos ocupados, no Estado e nas Empresas, para seu benefício exclusivo, esquecendo tudo o que estivesse para além do seu conforto pessoal.
Muito há, pois, a fazer para reabilitar e redignificar Portugal, que atravessa hoje, podemos dizê-lo,sem receio,uma das fases mais deprimentes da sua História recente. Depois do 25 de Abril de 1974, só tem comparação com a do fim do Bloco Central,talvez para pior.
Ou estamos conscientes da gravidade da situação e nos dispomos a agir a preceito ou não valerá a pena lançar gritos de alarme.
Res, non verba ( Acção e não Palavras )
Verba docent, exempla trahunt ( As palavras ensinam, os exemplos arrastam )
AV_Lisboa, 1 de Dezembro de 2004, Feriado consagrado à memória do dia da Restauração da Independência de Portugal, em 1640.
Esperemos que saiba honrar o resto do caminho, já que falhou a sua grande oportunidade de ganhar a confiança do povo e das Instituições da Nação.
A decisão do PR tem de aceitar-se como normal, ainda que lhe sintamos sensibilidade diferente na avaliação do desempenho dos executivos. Entre as trapalhadas de Guterres e as de Santana, o PR tem menos paciência para as últimas. Mas, compreende-se, porque nunca disfarçou a sua inclinação socialista, nem sequer usou a formalidade de Soares, velha raposa política, que devolveu o seu cartão de militante, logo que entrou em Belém.
Só os incautos acreditaram na apregoada pureza da atitude publicitada com fragor. No seu segundo mandato, Soares viria a exibir, sem rebuço, o seu antes reprimido desejo, como depois plenamente se percebeu, no combate que moveu e na ulterior derrota que infligiu a Cavaco Silva e ao PSD, em grande parte devida à forte cumplicidade que Soares estabeleceu com toda a oposição política em exercício, animosamente unidos no mesmo propósito. De resto, ele próprio já o confessou publicamente, não tivessem alguns ingénuos desentendido a manobra.
O PSD, falho de percepção e temeroso de luta política, até tinha aceitado apoiar a reeleição de Soares, que, assim, bem remuneradamente lha pagaria. Houve aqui nítido défice de percepção política da parte do PSD, então demasiado entusiasmado com as auto-estradas e com os fundos da União Europeia.
Soares e os socialistas agem sempre com maior sentido político. O PSD e Cavaco Silva quase pretenderam expulsar a Política, apresentando-se insistentemente apenas como gestores assépticos dos negócios do Estado, entidade que chegavam a ver com indesfarçável enfado.
Por tanto menosprezarem o fenómeno político e se terem convencido de que bastaria a sua reputação de gestores para granjear a aceitação dos eleitores, acharam-se no final desamparados e metidos em intrincada discussão pela sucessão do legado político de Cavaco Silva.
Passados cerca de 10 anos desde a sua saída do Governo, depois de uma prolongada indefinição, conhecida pelo tabu do seu empenho político futuro, veio Cavaco Silva finalmente a terreiro com um artigo de intenção política no Expresso, lançando o seu grito de alarme para a fraca qualidade dos agentes políticos actuais.
Diga-se que foi positivo que tivesse lançado esse grito de alarme, porque, finalmente, alguém com grande notoriedade e credibilidade, da área do PSD, apareceu a dizer o que muitos outros, ao longo dos últimos anos, vinham dizendo, sem que ninguém os ouvisse.
Mas, se foi positiva a sua intervenção, há que acrescentar que ela peca por tardia e não diz tudo o que é preciso.
A situação presente é demasiado calamitosa e não se recompõe, com pequenas mexidas ou correcções. Sem uma grande reformulação do ideário e do pessoal político do PSD nada de significativo mudará.
Ter-se-ia de começar pela redefinição do seu ideário político. Se de facto se acha que a Social-Democracia deixou de ser a motivação política do PSD, então há que declará-lo sem ambiguidade ; se se entende que o nome do partido só se mantém por razões históricas, sem repercussão na doutrina actual, é melhor que isso seja afirmado ; se já se entende haver percebido a nova definição doutrinária, nas transformações sociais e políticas operadas nas últimas décadas, deve-se do mesmo modo proclamá-lo e difundi-lo, para que não subsistam mal-entendidos.
A actual confusão gera comportamentos erróneos e ilude muitos bem intencionados.
Modestamente, já aqui no Alma Lusíada e no Veritas Filia Temporis, de Pacheco Pereira, abordei este tema, como contributo para um debate necessário, que me parecia urgente que se desencadeasse, não havendo, todavia, logrado nenhum êxito, nem sequer resposta ou réplica, concordante ou discordante.Dir-se-ia haver, em certos círculos, horror à discussão política ou então dar-se-á o caso de estarem a reservar-se para elevados debates com altas figuras da filosofia política mundial.
Acresce que me custa ver tanta gente, que se diz interessada na vida política, sem se importar com o seu suporte doutrinário, ainda que de mero referencial se tratasse, para orientação e esclarecimento da sua intervenção política : individual e colectiva.
A luta política consequente exige formação teórica, doutrina, firmeza de carácter, clareza de objectivos, metas de realização e empenho dos seus agentes. Sem isto, não há verdadeira actuação política, mas apenas arregimentação de hostes de oportunistas que seguem, ora um ora outro líder, que, no momento, lhes pareça mais capaz de as conduzir às cobiçadas regalias do poder.
Lamento dizer, mas não vi que Cavaco Silva alguma vez nos seus mandatos tivessse mostrado preocupação por estes assuntos. Pelo contrário, muitas vezes, desdenhou a dimensão política, sobrevalorizando os aspectos económicos e financeiros no exercício da governação, assim como não deu suficiente atenção a aspectos fundamentais do robustecimento do tecido da Nação.
A Educação e a Cultura, já no seu tempo, andavam muito subalternizadas ; a Agricultura, logo se desmantelou ; as Pescas, idem, num afã de aprovação de Bruxelas que levava a que ficássemos progressivamente mais enfraquecidos de infra-estruturas básicas, suporte da subsistência de qualquer país que preze a sua autonomia.
Foi também pela mão de Cavaco Silva que muito falso valor veio para a Política, de onde depois saíram para douradas carreiras de gestão nas Empresas Públicas e privadas, nalguns casos também com pouca transparência, dada a promiscuidade que se gerava, ao transitarem para sectores antes tutelados nos cargos que desempenhavam.
A maioria desta gente rapidamente se desinteressou da Política, servindo estratégias partidárias diversas, consoante as vitórias eleitorais, sem qualquer empenho ou contributo na vida da res publica.
Se recordo estes aspectos, não é porque menospreze a acção de Cavaco Silva, em quem repetidamente votei.
Reconheço todos os seus méritos de pessoa séria, competente, muito conhecedora na esfera económico-financeira, dotado de uma autoridade natural, que o privilegia para o exercício do poder, sem dúvida muito acima da média dos outros intervenientes do espectro partidário. Mas, naturalmente, com limitações, como todos os mortais e, por isso, carecido de boa colaboração, vertente em que amiúde falhou, quer na escolha, quer na cobertura que deu a algumas figuras inteiramente desmerecedoras dela.
Por isso mesmo, considero que a sua intervenção pública, em matéria agora claramente política, ainda que invocando uma lei da Economia, vem algo atrasada e, se corresponde a um firme propósito de novo empenhamento político pessoal da sua parte, ela tem de ser complementada com um entendimento com a parte sã da família social-democrática desavinda, na base de princípios e objectivos claros, para retirar o País da situação degradada e depressiva em que há anos mergulhou e de que tarda em conseguir sair.
A leviandade, a impreparação e a incompetência com que o PSD agiu, nos últimos nove anos, na oposição como no poder, em sectores importantíssimos da vida do País, como sejam a Energia (sem orientação), a Indústria (a que resta), a Educação (que não há),a Cultura (sem chama), a Agricultura (a que sobrevive), as Pescas (em desaparecimento), a Saúde(caótica) e a Justiça(desacreditada), sem pretender hierarquizar, exige que se faça um amplo exame dos sectores, prévio a qualquer actuação futura, se se pretende visar uma melhoria sustentada.
É preciso efectuar um diagnóstico rigoroso da situação do País, sector por sector, e, a partir dele, traçar um programa eficaz de actuação, não cometendo os erros anteriores, nem voltando a apostar em figuras que decepcionaram ou se desonraram, porque ou não revelaram a competência esperada ou apenas se serviram dos cargos ocupados, no Estado e nas Empresas, para seu benefício exclusivo, esquecendo tudo o que estivesse para além do seu conforto pessoal.
Muito há, pois, a fazer para reabilitar e redignificar Portugal, que atravessa hoje, podemos dizê-lo,sem receio,uma das fases mais deprimentes da sua História recente. Depois do 25 de Abril de 1974, só tem comparação com a do fim do Bloco Central,talvez para pior.
Ou estamos conscientes da gravidade da situação e nos dispomos a agir a preceito ou não valerá a pena lançar gritos de alarme.
Res, non verba ( Acção e não Palavras )
Verba docent, exempla trahunt ( As palavras ensinam, os exemplos arrastam )
AV_Lisboa, 1 de Dezembro de 2004, Feriado consagrado à memória do dia da Restauração da Independência de Portugal, em 1640.